sábado, 29 de fevereiro de 2020

O Céu e o Inferno


"Naquele tempo o Senhor tinha falado pelo ministério de Isaías, nestes termos: Vai, desata o saco que trazes às costas e tira as sandálias dos teus pés. Isaías dispôs-se a executá-lo, ia nu e descalço", -( Isaías, 20: 2 )-




Amados irmãos, bom dia!
Devemos nos despir de tudo que não nos convém e nos entregarmos de coração aberto ao Senhor, para que em nós se realize a sua vontade.




Um membro da Sociedade Espírita de Paris, que tinha orado por este infeliz, evocando-o, obteve intervaladamente as seguintes comunicações: 

                                      I

“Fui evocado quase imediatamente depois da minha morte, porém não pude manifestar-me logo, de modo que muitos Espíritos levianos tomaram-me o nome e a vez. Aproveitei a estada em Bruxelas do Presidente da Sociedade de Paris, e comuniquei-me, com a aquiescência de Espíritos superiores. Voltarei a manifestar-me na Sociedade, a fim de fazer revelações que serão um começo de reparação às minhas faltas, podendo também servir de ensinamento a todos os criminosos que me lerem e meditarem na exposição dos meus sofrimentos. É somente sobre o Espírito dos homens fracos ou das crianças que a narrativa de penas infernais pode produzir efeitos terroristas. Ora; um grande malfeitor não é um Espírito pusilânime, e o temor de um polícia é para ele mais real que a descrição dos tormentos do inferno. Eis por que todos os que me lerem ficarão comovidos com as minhas palavras e com os meus padecimentos, que não são ficções. Não há um só padre que possa dizer que viu o que tenho visto, porque tenho assistido às torturas dos danados. Mas quando eu vier dizer: Eis o que se passou após a minha morte, a morte do corpo; eis a minha enorme decepção ao reconhecer-me vivo, ao contrário do que supunha e tinha tomado pelo termo dos suplícios, quando era o começo de outras torturas, aliás indescritíveis! — então, mais de um ser estará à borda do precipício em que ia despenhar-se, e cada um dos desgraçados, desviados por mim da senda criminosa, concorrerá para o resgate das minhas faltas. Foi-me permitido libertar-me do olhar das minhas vítimas transformadas em carrascos, a fim de comunicar-me convosco; ao deixar-vos, entretanto, tornarei a vê-las e só esta ideia me causa tal sofrimento que eu não poderia descrevê-lo. Sou feliz quando me evocam, porque assim deixo o meu inferno por alguns instantes. Orai sempre ao Senhor por mim, pedi-lhe que me liberte do olhar das minhas vítimas.
Sim, oremos juntos. A prece faz tanto bem... Estou mais aliviado; não sinto tão pesado o fardo que me acabrunha. Vejo um resquício de esperança luzindo-me aos olhos e, contrito, exclamo: Bendita a mão do Senhor e seja feita a sua vontade!”

                                          II

O médium. — Em vez de pedir a Deus para vos furtar ao olhar das vossas vítimas, eu vos convido a pedir comigo para que vos dê a força necessária a fim de suportardes essa tortura expiatória.

Latour. — Eu preferiria livrar-me de tais olhares. Se soubésseis o quanto sofro... O homem mais insensível comover-se-ia vendo impressos na minha fisionomia, como que a fogo, os sofrimentos de minha alma. Farei, entretanto, o que me aconselhais, pois compreendo ser esse um meio de expiar um pouco mais rapidamente as minhas faltas. É qual dolorosa operação que viesse curar um corpo gravemente adoentado. Ah! Pudessem ver-me os culpados da Terra, e ficariam apavorados das consequências de seus crimes, desses crimes que, ignorados dos homens, são, no entanto, vistos pelos Espíritos. Como a ignorância é fatal para tantas pessoas! “Que responsabilidade assumem os que recusam instrução às classes pobres da sociedade! Acreditam que com polícia e soldados se previnem crimes... Que grande erro!”

                                        III

“Terríveis são os meus sofrimentos, porém, depois que por mim orais, sinto-me confortado por bons Espíritos, os quais me dizem para ter esperança. Compreendo a eficácia do remédio heroico que me aconselhastes e peço a Deus me dê forças para suportar esta dura expiação, aliás igual, posso afirmá-lo, ao mal que fiz. Não quero escusar-me das minhas atrocidades; mas o certo é que, para nenhuma das minhas vítimas, salvo a precedência de alguns instantes, na morte, a dor não existia, e as que tinham terminado a provação terrena foram receber a recompensa que as aguardava. Para mim, entretanto, ao voltar ao mundo dos Espíritos, só houve sofrimentos infernais, excetuados os curtos instantes em que me manifestava. Em que pesem aos seus quadros terroristas, os padres só têm uma fraca noção dos verdadeiros sofrimentos que a Justiça divina reserva aos infratores da lei do amor e da caridade. Como insinuar a pessoas sensatas que uma alma, isto é, uma coisa imaterial, possa sofrer ao contato do fogo material? É absurdo, e por isso tantos e tantos criminosos se riem desses painéis fantásticos do inferno. O mesmo porém não se dá quanto à dor moral do condenado, após a morte física. Orai para que o desespero não se aposse de mim.” 

                                   IV

“Muito grato vos sou pela perspectiva que me trouxestes e a cujo fim glorioso sei que devo chegar quando purificado. Sofro muito, mas parece-me que os sofrimentos diminuem. Não posso acreditar que, no mundo dos Espíritos, a dor diminua pouco a pouco à força de hábito. Não. O que eu depreendo é que as vossas preces salutares me aumentaram as forças, de modo que, pelas mesmas dores, com mais resignação, eu menos sofro. O pensamento se me volve então para a última existência e vejo as faltas que teria conjurado se soubesse orar. Hoje compreendo a eficácia da prece; compreendo o valor dessas mulheres honestas e piedosas, fracas pela carne, porém fortes pela fé; compreendo, enfim, esse mistério ignorado pelos supostos sábios da Terra. Prece! palavra que por si só provoca o riso dos Espíritos fortes. Aqui os espero no mundo espiritual, e, quando a venda que encobre a verdade se romper para eles, então, a seu nuto se prosternarão aos pés do Eterno a quem desprezaram e serão felizes em se humilhar para que seus pecados e crimes sejam revelados! Hão de compreender então a virtude da prece. Orar é amar, e amar é orar! E eles amarão o Senhor e lhe dirigirão preces de reconhecimento e de amor, regenerados pelo sofrimento. E, pois que devem sofrer, pedirão como eu peço a força necessária ao sofrimento e à expiação. Deixando de sofrer, hão de orar ainda para agradecer o perdão merecido por sua submissão e resignação. Oremos, irmão, para que mais me fortaleça... Oh! obrigado à tua caridade, meu irmão, pois que estou perdoado. Deus me liberta do olhar das minhas vítimas. Ó meu Deus! Bendito sejais vós por toda a eternidade, pela graça que me concedeis! Ó meu Deus! Sinto a enormidade dos meus crimes e curvo-me ante a vossa onipotência. Senhor! eu vos amo de todo o meu coração e vos suplico a graça de me permitirdes, ao vosso arbítrio, sofrer novas provações na Terra; voltar a ela como missionário da paz e da caridade, ensinando as crianças a pronunciar com respeito o vosso nome. Peço-vos que me seja possível ensinar que vos amem, a vós, Pai que sois de todas as criaturas. Obrigado, meu Deus! Sou um Espírito arrependido, e sincero é o meu arrependimento. Tanto quanto meu impuro coração pode comportá-lo, eu vos amo com esse sentimento que é pura emanação da vossa divindade. Irmão, oremos, pois meu coração transborda de reconhecimento. Estou livre, quebrei os grilhões, não sou mais um réprobo. Sou um Espírito sofredor, mas arrependido, a desejar que o meu exemplo pudesse conter nos umbrais do crime todas as mãos criminosas que vejo prestes a levantarem-se. Oh! para trás, recuai, irmãos, pois as torturas que preparais serão atrozes! Não acrediteis que o Senhor se deixará tão prontamente submeter à prece dos seus filhos. São séculos de torturas que vos esperam.”

O guia do médium. — Dizes que não compreendes as palavras do Espírito. Procura ter uma ideia da sua emoção e do seu reconhecimento para com o Senhor, coisas que ele acredita não poder testemunhar melhor do que tentando demover todos esses criminosos por ele vistos, mas que tu não podes ver. Aos ouvidos desses, quereria ele que chegassem as suas palavras; mas o que te não disse ele, porque o ignora ainda, é que lhe será permitido o início de missões reparadoras. Irá para junto dos que lhe foram cúmplices, procurando inspirar-lhes arrependimento, implantando em seus corações o gérmen do remorso. Frequentemente se veem na Terra pessoas tidas por honestas lançarem-se aos pés de um sacerdote para se acusarem de um crime. É o remorso quem lhes dita a confissão da culpa. Pois se o véu que te encobre o mundo invisível se desfizesse, verias muitas vezes o Espírito cúmplice ou instigador de um crime, tal como o fará Jacques Latour, inspirando o remorso ao Espírito encarnado, no afã de reparar a própria falta. Teu guia protetor

Mais tarde, o médium de Bruxelas, o mesmo que recebera o primeiro ditado, obteve o seguinte:

“Nada mais receeis de mim, que estou tranquilo, em que pese ao sofrimento que ainda tenho. Vendo o meu arrependimento, Deus teve compaixão de mim. Agora sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a enormidade dos meus crimes. Bem aconselhado na vida, eu não teria jamais praticado todo esse mal, mas, sem repressão, obedeci cegamente aos meus instintos. Se todos os homens pensassem mais em Deus, ou, antes, se nele acreditassem, tais faltas não seriam cometidas. Falha é, porém, a justiça dos homens; uma falta muita vez passageira leva o homem ao cárcere, que não deixa de ser um foco de perversão. Daí sai ele completamente corrompido pelos maus exemplos e conselhos. Dado porém que a sua índole seja boa e forte para se não corromper, ainda assim, de lá saído, ele vai encontrar fechadas todas as portas, retraídas todas as mãos, indiferentes todos os corações! Que lhe resta, pois? O desprezo, a miséria, o abandono e o desespero, se é que o assistem boas resoluções de se corrigir. Então a miséria o leva aos extremos, e assim é que também ele se toma de desprezo por seu semelhante, assim é que o odeia e perde a noção do bem e do mal, por isso que repelido se encontra, a despeito das suas boas intenções. Para angariar o necessário, rouba, mata às vezes, e depois... depois o executam! Meu Deus, ao ser presa novamente das minhas alucinações, sinto que a vossa mão se estende por sobre mim; sinto que a vossa bondade me envolve e protege. Obrigado, meu Deus! na próxima existência empregarei toda a minha inteligência no socorro aos desgraçados que sucumbiram, a fim de os preservar da queda. Obrigado a vós que não desdenhais de comunicar comigo; nada receeis, pois bem o vedes, eu não sou mau. Quando pensardes em mim, não vos figureis o meu retrato pelo que de mim vistes, mas o de uma alma angustiada que agradece a vossa indulgência. Adeus; evocai-me ainda e orai a Deus por mim.” 

                                                                              Latour




Que a graça e a paz sejam conosco!

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O Céu e o Inferno


"Quando o Senhor ferir os egípcios, será para curá-los; ele se voltarão para o Senhor, que se deixará aplacar e os curará". -( Isaías, 19: 22 )-




Amados irmãos, bom dia!
Só quando nos entregamos com sinceridade ao Senhor é que começamos a compreender os seus caminhos. Em tudo ele se preocupa conosco.



                   Jacques Latour 
      
(Assassino condenado pelo júri de Foix e executado em setembro de 1864.)

Em reunião íntima de sete a oito pessoas, havida em Bruxelas a 13 de setembro de 1864 e à qual assistíamos, foi pedido a um médium que tomasse do lápis, sem que aliás houvéssemos feito qualquer evocação especial. Possuído de extraordinária agitação, ei-lo a traçar caracteres muito grossos, e depois, rasgando o papel, exclama:

— Arrependo-me! arrependo-me! Latour!

Surpreendidos com a inesperada comunicação, de modo algum provocada, visto como ninguém pensara nesse infeliz, cuja morte até então era ignorada por uma parte dos assistentes, dirigimos ao Espírito palavras de conforto e comiseração, fazendo-lhe em seguida esta pergunta:

— Que motivo vos levou a manifestar-vos aqui, de preferência a outro lugar, quando não vos evocamos? Responde o médium de viva voz: 

— Vi que, almas compassivas, teríeis piedade de mim, ao passo que outros ou me evocavam mais por curiosidade que por caridade, ou de mim se afastavam horrorizados. 

— Depois começou por uma cena indescritível que não durou mais de meia hora. O médium, juntando os gestos e a expressão da fisionomia à palavra, deixava patente a identificação do Espírito com a sua pessoa; às vezes, esses gestos de cruel desespero desenhavam vivamente o seu sofrimento; o tom da sua voz era tão compungido, as súplicas tão veementes, que ficávamos profundamente comovidos. Alguns estavam mesmo aterrorizados com a superexcitação do médium, mas nós sabíamos que a manifestação de um ente arrependido, que implora piedade, nenhum perigo poderia oferecer. Se ele buscou os órgãos do médium, é que melhor desejava patentear a sua situação, a fim de que mais nos interessássemos pela sua sorte, e não como os Espíritos obsessores e possessores, que visam apoderar-se dos médiuns para os dominarem. Tal manifestação lhe fora talvez permitida não só em benefício próprio, como também para edificação dos circunstantes.  

Ei-lo a exclamar:

— Oh! sim, piedade... muito necessito dela... Não sabeis o que sofro... Não o sabeis, e não podereis compreendê-lo. É horrível! A guilhotina!... Que vale a guilhotina comparada a este sofrimento de agora? Nada! — é um instante. Este fogo que me devora, sim, é pior, porque é uma morte contínua, sem tréguas nem repouso... sem-fim!... E as minhas vítimas, ali estão ao redor, a mostrar-me os ferimentos, a perseguir-me com seus olhares... “Aí estão, e vejo-as todas... todas... sem poder fugir-lhes! E este mar de sangue?! E este ouro manchado de sangue?! Tudo aí está... tudo... e sempre ante meus olhos! E o cheiro de sangue... Não o sentis? Oh! Sangue e sempre sangue! Ei-las que imploram, as pobres vítimas, e eu a feri-las sempre... sempre... impiedosamente!... O sangue inebria-me... Acreditava que depois da morte tudo estaria terminado, e assim foi que afrontei o suplício e afrontei o próprio Deus, renegando-o!... Entretanto, quando me julgava aniquilado para sempre, que terrível despertar... oh! sim, terrível, cercado de cadáveres, de espectros ameaçadores, os pés atolados em sangue!!... Acreditava-me morto, e estou vivo! Horrendo! horrendo! mais horrendo que todos os suplícios da Terra! Ah! se todos os homens pudessem saber o que há para além da vida, saberiam também quanto custam as consequências do mal! Certo não haveria mais assassínios, nem criminosos, nem malfeitores! Eu só quisera que todos os assassinos pudessem ver o que eu vejo e sofro...“ Oh! então não mais o seriam, porque é horrível este sofrimento! Bem sei que o mereci, ó meu Deus, porque também eu não tive compaixão das minhas vítimas; repelia as mãos súplices quando imploravam que as poupasse... Sim, fui cruel, decerto, matando-as covardemente para roubá-las! E fui ímpio, e fui blasfemo também, renegando o vosso sacratíssimo nome... Quis enganar-me, porque eu queria persuadir-me de que Vós não existíeis... Meu Deus, eu sou grande criminoso! Agora o compreendo. Mas... não tereis piedade de mim?... Vós sois Deus, isto é, a bondade, a misericórdia! Sois onipotente! Piedade, Senhor! Piedade! Eu vo-lo peço, não sejais inexorável; libertai-me destes olhares odiosos, destes espectros horríveis... deste sangue... das minhas vítimas... olhares que, quais punhaladas, me varam o coração.“Vós outros que aqui estais, que me ouvis, sede bondosos, almas caritativas. Sim, eu o vejo, sei que tendes piedade de mim, não é verdade? Haveis de orar por mim... “Oh! eu vo-lo suplico, não me abandoneis como fiz outrora aos outros. Pedireis a Deus que me tire este horrível espetáculo de ante os olhos, e Ele vos ouvirá porque sois bons... Imploro, orai por mim.”

Os assistentes, sensibilizados, dirigiram-lhe palavras de conforto e consolação. Deus, disseram-lhe, não é inflexível; apenas exige do culpado um arrependimento sincero, aliado à vontade de reparar o mal praticado. Uma vez que o vosso coração não está petrificado e que lhe pedis o perdão dos vossos crimes, a sua misericórdia baixará sobre vós. Preciso é, pois, que persevereis na boa resolução de reparar o mal que fizestes. Certo, não podeis restituir às vítimas as vidas que lhes arrancastes, mas, se o impetrardes com fervor, Deus permitirá que as encontreis em uma nova encarnação, na qual lhes podereis patentear tanto devotamento quanto o mal que lhes fizestes. E quando a reparação lhe parecer suficiente, para logo entrareis na sua santa graça. Assim, a duração do vosso castigo está nas vossas mãos, dependendo de vós o abreviá-lo. Comprometemo-nos a auxiliar-vos com as nossas preces e invocar para vós a assistência dos bons Espíritos. Vamos pronunciar em vossa intenção a prece que se contém em O evangelho segundo o espiritismo, referente aos Espíritos sofredores e arrependidos. Não pronunciaremos a que se refere aos maus Espíritos, porque desde que vos arrependeis, que implorais, que renunciais ao mal, não passais para nós de um Espírito infeliz, e não mau.  

Feita essa prece, o Espírito continua, depois de breves instantes de calma: 

— Obrigado, meu Deus!... Oh! obrigado! Tivestes piedade de mim... Eis que se afastam os espectros... Não me abandoneis, enviai-me os vossos bons Espíritos para me sustentarem... Obrigado...

Depois desta cena o médium fica alquebrado, abatido, os membros lassos por algum tempo. A princípio, apenas tem vaga ideia do que se há passado, mas pouco a pouco vai se lembrando de algumas das palavras que pronunciou sem querer, reconhecendo que não era ele quem falara. No dia seguinte, em nova reunião, o Espírito tornou a manifestar-se, reencetando a cena da véspera, porém por minutos apenas, e isso com a mesma gesticulação expressiva, posto que menos violenta. Depois, tomado de agitação febril, escreveu:

“Grato às vossas preces. Experimento já uma sensível melhora. Foi tal o fervor com que orei, que Deus me concedeu um momentâneo alívio; não obstante, terei de ver ainda as minhas vítimas... Ei-las! Ei-las! Vedes este sangue?...” 

(Repetiu-se a prece da véspera. O Espírito continua dirigindo-se ao médium.) 

“Perdoai o ter-me apossado de vós. Obrigado pelo alívio que proporcionais aos meus sofrimentos. Perdoai o mal que vos causei, mas eu tenho necessidade de me comunicar, e só vós o podeis...Obrigado! obrigado! que já sinto algum alívio, posto não tenha atingido o fim das provações. As minhas vítimas voltarão dentro em breve. Eis a punição a que fiz jus, mas, Deus meu, sede indulgente. Orai todos vós por mim, tende piedade.” 

                                                                                     Latour


 ... continua amanhã.


Que a graça e a paz sejam conosco!

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

O Céu e o Inferno


"Vós que habitais o mundo e povoais a terra, quando o estandarte se erguer nas alturas, olhai. E quando soar a trombeta, ouvi!" -( Isaías, 18: 3 )-




Amados irmãos, bom dia!
Que estejamos sempre atentos ao chamado do Senhor.




          O Espírito de Castelnaudary 

Rumores e outras estranhas e várias manifestações ocorridas numa casinha perto de Castelnaudary, faziam-na tomar por habitada de fantasmas, mal-assombrada etc. Assim, foi a dita casa exorcismada em 1848, aliás sem resultado. O proprietário, Sr. D..., pretendendo habitá-la, faleceu repentinamente alguns anos depois; um seu filho, animado do mesmo desejo, ao penetrar-lhe um dos compartimentos, recebeu de mão desconhecida vigorosa bofetada, e, como estivesse só, não teve a menor dúvida de uma origem oculta, razão esta que o levou a abandonar a casa definitivamente. No lugar corria uma versão segundo a qual um grande crime fora cometido ali. O Espírito que dera a bofetada foi evocado na Sociedade de Paris, em 1859, e manifestou-se por sinais de tal violência, que foram improfícuos todos os esforços para acalmá-lo. Interrogado São Luís a esse respeito, respondeu: “É um Espírito da pior espécie, verdadeiro monstro: fizemo-lo comparecer, mas a despeito de tudo quanto lhe dissemos não foi possível obrigá-lo a escrever. Ele tem o seu livre-arbítrio, do qual o infeliz tem feito triste uso.” 

— P. Este Espírito é passível de melhora? 
— R. Por que não? pois não o são todos, este como os outros? É possível entretanto que haja nisso dificuldades, porém a permuta do bem pelo mal acabará por sensibilizá-lo. Orai em primeiro lugar, e, se o evocardes daqui a um mês, vereis a transformação operada. Evocado mais tarde, o Espírito mostrou-se mais brando e, pouco a pouco, submisso e arrependido. Explicações posteriores, ministradas não só por ele como por outros Espíritos, deram em resultado saber-se que, em 1608, habitando aquela casa, assassinara um irmão por motivos de terrível ciúme, degolando-o durante o sono. Alguns anos decorridos, também assassinara a esposa. O seu falecimento ocorreu em 1659, aos 80 anos, sem que houvesse respondido por estes crimes, que pouca atenção despertaram naquela época de balbúrdias. Depois da morte, jamais cessara de praticar o mal, provocando vários acidentes ocorridos na tal casa. Um médium vidente que assistiu à primeira evocação viu-o, no momento em que pretendiam forçá-lo a escrever, quando sacudiu violentamente o braço do médium. De medonha catadura, trajava uma camisa ensanguentada, tendo na mão um punhal. 

1. P. (A São Luís.) Tende a bondade de nos descrever o gênero de suplício deste Espírito. 
— R. É atroz, porque está condenado a habitar a casa em que cometeu o crime, sem poder fixar o pensamento noutra coisa que não no crime, tendo-o sempre ante os olhos e acreditando na eternidade de tal tortura. Está como no momento do próprio crime, porque qualquer outra recordação lhe foi retirada e interdita toda comunicação com qualquer outro Espírito. Sobre a Terra, só pode permanecer naquela casa, e no Espaço só lhe restam solidão e trevas. 

2. Haveria um meio de o desalojar dessa casa? Qual seria esse meio? 
— R. Quando se quer desembaraçar obsessões de semelhantes Espíritos, o meio é fácil — orar por eles. Contudo, é precisamente isso que se deixa de fazer muitas vezes, preferindo-se intimidá-los com exorcismos formulados que, aliás, muito os divertem.

3. Insinuando às pessoas interessadas essa ideia de orar por ele, fazendo-o também nós, conseguiríamos desalojá-lo? 
— R. Sim, mas reparai que eu disse para orar, e não para mandar orar.

4. Estando em tal situação há dois séculos, apreciará ele todo esse tempo como se fora encarnado, isto é, o tempo parecer-lhe-á tanto ou menos longo do que quando na Terra? 
— R. Mais longo: o sono não existe para ele.

5. Disseram-nos que o tempo não existe para os Espíritos e que um século, para eles, não passa de um instante na eternidade. Dar-se-á efetivamente esse fato para com todos os Espíritos? — R. Não, decerto, porquanto isso só se dá com os Espíritos que têm atingido elevadíssimo grau de adiantamento; para os inferiores, porém, o tempo é frequentemente moroso, sobretudo quando sofrem. 

6. Donde vinha esse Espírito antes da sua encarnação? 
— R. Tivera uma existência entre tribos das mais ferozes e selvagens, e, precedentemente, em planeta inferior à Terra.

7. Severamente punido agora por esse crime, sê-lo-ia igualmente pelos que porventura tivesse cometido, como é de supor, quando vivendo entre selvagens? 
— R. Sim, porém não tanto, visto como, em ser mais ignorante, menos alcançava a extensão do delito.

8. O estado em que se vê esse Espírito é o dos seres vulgarmente designados por danados
— R. Absolutamente não, pois há condições ainda mais horrorosas. Os sofrimentos estão longe de ser os mesmos para todos, variando conforme seja o culpado mais ou menos acessível ao arrependimento. Para este, aquela casa é o seu inferno, outros trazem esse inferno em si mesmos, pelas paixões que os atormentam sem que possam saciá-las.

9. Apesar da sua inferioridade, este Espírito é sensível aos efeitos da prece, o que também temos verificado com Espíritos igualmente perversos e da mais grosseira natureza; entretanto, Espíritos há que, esclarecidos, de mais desenvolvida inteligência, demonstram completa ausência de bons sentimentos, motejando de tudo que há de mais sagrado; a nada se comovendo e até não dando tréguas ao seu cinismo... 
— R. A prece só aproveita ao Espírito que se arrepende; para aqueles que, arrebatados de orgulho, se revoltam contra Deus e persistem no erro, exagerando-o mesmo, tal como procedem os infelizes, para esses a prece nada adianta, nem adiantará senão quando tênue vislumbre de arrependimento começar a germinar-lhes na consciência. A ineficácia da prece também é para eles um castigo. Enfim, ela só alivia os não totalmente endurecidos. 

10. Vendo-se um Espírito insensível à ação da prece, será motivo para que se deixe de orar por ele? 
— R. Não, porquanto, cedo ou tarde, a prece poderá triunfar do seu endurecimento, sugerindo-lhe benéficos pensamentos. 

O mesmo sucede com certos doentes nos quais a ação medicamentosa só se torna sensível depois de muito tempo, e vice-versa. Compenetrando-nos bem de que todos os Espíritos são suscetíveis de progresso, e que nenhum é fatal e eternamente condenado, fácil nos será compreender a eficácia da prece em quaisquer circunstâncias. Por mais ineficaz que ela possa parecer-nos à primeira vista, o certo é que contém germens em si mesma, bastante benéficos, para bem predisporem o Espírito, quando o não afetem imediatamente. Erro seria, pois, desanimarmos por não colher dela imediato resultado.

11. Ao reencarnar-se este Espírito, qual será a sua categoria? — R. Depende dele e do arrependimento que então tiver. Muitos colóquios com este Espírito deram em resultado notável transformação do seu moral. Eis aqui algumas das suas respostas:

12. (Ao Espírito.) Por que não pudestes escrever da primeira vez que vos evocamos?  
— R. Porque não queria. 
— P. Mas por quê? 
— R. Ignorância e embrutecimento.

13. Agora podeis deixar, quando vos apraz, a casa de Castelnaudary? 
— R. Permitem-mo, porque aproveito os vossos conselhos. 
— P. Sentis algum alívio? 
— R. Começo a ter esperança.

14. Se possível nos fora o vermo-vos, qual a vossa aparência? 
— R. Ver-me-íeis com a camisa, mas sem o punhal. 
— P. Por que não mais com o punhal? Que fim lhe destes? 
— R. Amaldiçoando-o, Deus arrebatou-mo das vistas.

15. Se o filho do Sr. D... (o da bofetada) voltasse àquela casa, que lhe faríeis? 
— R. Nada, porque estou arrependido. 
— P. E se ele pretendesse ainda desafiar-vos? 
— R. Não me façais essa pergunta! Eu não me dominaria, isso está acima das minhas forças, pois sou um miserável. 

16. Lobrigais um termo aos vossos padecimentos? 
— R. Oh! ainda não. É já muito o saber, graças à vossa intercessão, que esses padecimentos não serão eternos.

17. Tende a bondade de nos descrever a vossa situação antes de vos evocarmos pela primeira vez. Não é preciso acrescentarmos que este pedido tem por fim sabermos como ser-vos úteis, e não a simples e fútil curiosidade. 
— R. Já vos disse que nada mais compreendia além do meu crime, e que não podia abandonar a casa em que o cometi, a não ser para vagar no Espaço, solitário e obscuro; disso não poderia eu dar-vos uma ideia, porque nunca pude compreender o que se passava. Desde que me alçava ao Espaço, era tudo negrume e vácuo, ou, antes, não sei mesmo o que era... Hoje o meu remorso é muito maior, e no entanto não sou constrangido a permanecer naquela casa fatal, sendo-me permitido vagar sobre a Terra e orientar-me pela observação de quanto aí vejo, compreendendo melhor, assim, a enormidade dos meus crimes, e, se menos sofro por um lado, por outro aumentam as torturas do remorso... Mas... ainda bem que tenho esperança.


18. A terdes de reencarnar, que existência preferiríeis? 
— R. Sobre isso não tenho meditado suficientemente. 

19. Durante o vosso longo insulamento — quase podemos dizer cativeiro — experimentastes algum remorso?
— R. Nenhum, e por isso sofri tão longamente. Somente quando o senti, foi que ele provocou, sem que disso me apercebesse, as circunstâncias determinantes da vossa evocação ao meu Espírito para início da libertação. Obrigado, pois, a vós que de mim vos apiedastes e me esclarecestes.

Efetivamente, temos visto avaros sofrerem à vista do ouro, que para eles não passava de verdadeira quimera; orgulhosos, atormentados pelo ciúme das honrarias prestadas a outros que não eles; homens que dominavam na Terra, humilhados pela potência invisível, constrangidos à obediência, em presença de subordinados que não mais se lhe curvavam; ateus atônitos pela dúvida, em face da imensidade, no mais absoluto insulamento, sem um ser que os esclareça. No mundo dos Espíritos há compensações para todas as virtudes, mas há também penalidades para todas as faltas, e, destas, as que escaparam às leis dos homens são infalivelmente atingidas pelas Leis de Deus. Devemos ainda notar que as mesmas faltas, ainda que cometidas em circunstâncias idênticas, são diversamente punidas, conforme o grau de adiantamento do Espírito delinquente. Aos Espíritos mais atrasados, de natureza mais grosseira, como este de que vimos de nos ocupar, são infligidos castigos de alguma sorte mais materiais que morais, ao passo que o contrário se dá para com aqueles cuja inteligência e sensibilidade estejam mais desenvolvidas. Aos primeiros impõe-se o castigo apropriado à rudeza do seu discernimento, para compreenderem o erro e dele se libertarem. Assim é que a vergonha, por exemplo, causando pouca ou nenhuma impressão para estes, torna-se para aqueles intolerável. Neste divino código penal, a sabedoria, a bondade, a Providência de Deus para com as suas criaturas revelam-se até nas mínimas particularidades, sendo tudo proporcionado e concatenado com admirável solicitude para facilitar ao culpado os meios de reabilitação. As mínimas aspirações são consideradas e recolhidas. Pelos dogmas das penas eternas, ao contrário, são no inferno confundidos os grandes e pequenos criminosos, os culpados de momento e os reincidentes contumazes, os endurecidos e os arrependidos. Além disso, nenhuma tábua de salvação se lhes oferece; a falta momentânea pode acarretar uma condenação eterna e, o que mais é, qualquer benefício que porventura hajam feito, de nada lhes valerá. De que lado, pois, a verdadeira justiça, a verdadeira bondade? Esta evocação nada tem de casual; e como deveria aproveitar a esse infeliz, visto que ele já começava a compreender a enormidade do seu crime, eis que os Espíritos que velavam julgaram oportuno esse socorro eficaz e entraram a facilitar-lhe as circunstâncias propícias. É este um fato que temos visto reproduzir-se frequentemente. Perguntar-se-á que seria deste Espírito se não fosse evocado, o que será de todos os sofredores que o não podem ser, bem como daqueles em que se não pensa... Poderíamos redarguir que os meios de que Deus dispõe para salvar as criaturas são inumeráveis, sendo a evocação um dentre esses meios, porém, não único, certamente. Deus não deixa ninguém olvidado, além de que, sobre os Espíritos suscetíveis de arrependimento, as preces coletivas devem exercer alguma influência. A sorte dos Espíritos sofredores não poderia ser por Deus subordinada à boa vontade e aos conhecimentos humanos. Desde que os homens puderam estabelecer relações regulares com o mundo invisível, uma das primeiras consequências do Espiritismo foi o ensino dos serviços que por meio dessas relações podem prestar aos seus irmãos desencarnados. Deus patenteia por esse modo a solidariedade existente entre todos os seres do universo, ao mesmo tempo que dá a Lei da natureza por base ao princípio da fraternidade. Deus demonstra-nos a feição verdadeira, útil e séria das evocações, até então desviadas do seu fim providencial pela ignorância e pela superstição. Aos sofredores jamais faltaram socorros em qualquer época e, se as evocações lhes proporcionam uma nova via de salvação, aproveitam ainda mais, talvez, aos encarnados, por lhes proporcionar novos meios de fazer o benefício, instruindo-se ao mesmo tempo sobre as condições da vida futura.





Que a graça e a paz sejam conosco!