"Naquele tempo o Senhor tinha falado pelo ministério de Isaías, nestes termos: Vai, desata o saco que trazes às costas e tira as sandálias dos teus pés. Isaías dispôs-se a executá-lo, ia nu e descalço", -( Isaías, 20: 2 )-
Amados irmãos, bom dia!
Devemos nos despir de tudo que não nos convém e nos entregarmos de coração aberto ao Senhor, para que em nós se realize a sua vontade.
Um membro da Sociedade Espírita de Paris, que tinha orado por este infeliz, evocando-o, obteve intervaladamente as seguintes comunicações:
I
“Fui evocado quase imediatamente depois da minha morte, porém não pude manifestar-me logo, de modo que muitos Espíritos levianos tomaram-me o nome e a vez. Aproveitei a estada em Bruxelas do Presidente da Sociedade de Paris, e comuniquei-me, com a aquiescência de Espíritos superiores. Voltarei a manifestar-me na Sociedade, a fim de fazer revelações que serão um começo de reparação às minhas faltas, podendo também servir de ensinamento a todos os criminosos que me lerem e meditarem na exposição dos meus sofrimentos. É somente sobre o Espírito dos homens fracos ou das crianças que a narrativa de penas infernais pode produzir efeitos terroristas. Ora; um grande malfeitor não é um Espírito pusilânime, e o temor de um polícia é para ele mais real que a descrição dos tormentos do inferno. Eis por que todos os que me lerem ficarão comovidos com as minhas palavras e com os meus padecimentos, que não são ficções. Não há um só padre que possa dizer que viu o que tenho visto, porque tenho assistido às torturas dos danados. Mas quando eu vier dizer: Eis o que se passou após a minha morte, a morte do corpo; eis a minha enorme decepção ao reconhecer-me vivo, ao contrário do que supunha e tinha tomado pelo termo dos suplícios, quando era o começo de outras torturas, aliás indescritíveis! — então, mais de um ser estará à borda do precipício em que ia despenhar-se, e cada um dos desgraçados, desviados por mim da senda criminosa, concorrerá para o resgate das minhas faltas. Foi-me permitido libertar-me do olhar das minhas vítimas transformadas em carrascos, a fim de comunicar-me convosco; ao deixar-vos, entretanto, tornarei a vê-las e só esta ideia me causa tal sofrimento que eu não poderia descrevê-lo. Sou feliz quando me evocam, porque assim deixo o meu inferno por alguns instantes. Orai sempre ao Senhor por mim, pedi-lhe que me liberte do olhar das minhas vítimas.
Sim, oremos juntos. A prece faz tanto bem... Estou mais aliviado; não sinto tão pesado o fardo que me acabrunha. Vejo um resquício de esperança luzindo-me aos olhos e, contrito, exclamo: Bendita a mão do Senhor e seja feita a sua vontade!”
II
O médium. — Em vez de pedir a Deus para vos furtar ao olhar das vossas vítimas, eu vos convido a pedir comigo para que vos dê a força necessária a fim de suportardes essa tortura expiatória.
Latour. — Eu preferiria livrar-me de tais olhares. Se soubésseis o quanto sofro... O homem mais insensível comover-se-ia vendo impressos na minha fisionomia, como que a fogo, os sofrimentos de minha alma. Farei, entretanto, o que me aconselhais, pois compreendo ser esse um meio de expiar um pouco mais rapidamente as minhas faltas. É qual dolorosa operação que viesse curar um corpo gravemente adoentado. Ah! Pudessem ver-me os culpados da Terra, e ficariam apavorados das consequências de seus crimes, desses crimes que, ignorados dos homens, são, no entanto, vistos pelos Espíritos. Como a ignorância é fatal para tantas pessoas! “Que responsabilidade assumem os que recusam instrução às classes pobres da sociedade! Acreditam que com polícia e soldados se previnem crimes... Que grande erro!”
III
“Terríveis são os meus sofrimentos, porém, depois que por mim orais, sinto-me confortado por bons Espíritos, os quais me dizem para ter esperança. Compreendo a eficácia do remédio heroico que me aconselhastes e peço a Deus me dê forças para suportar esta dura expiação, aliás igual, posso afirmá-lo, ao mal que fiz. Não quero escusar-me das minhas atrocidades; mas o certo é que, para nenhuma das minhas vítimas, salvo a precedência de alguns instantes, na morte, a dor não existia, e as que tinham terminado a provação terrena foram receber a recompensa que as aguardava. Para mim, entretanto, ao voltar ao mundo dos Espíritos, só houve sofrimentos infernais, excetuados os curtos instantes em que me manifestava. Em que pesem aos seus quadros terroristas, os padres só têm uma fraca noção dos verdadeiros sofrimentos que a Justiça divina reserva aos infratores da lei do amor e da caridade. Como insinuar a pessoas sensatas que uma alma, isto é, uma coisa imaterial, possa sofrer ao contato do fogo material? É absurdo, e por isso tantos e tantos criminosos se riem desses painéis fantásticos do inferno. O mesmo porém não se dá quanto à dor moral do condenado, após a morte física. Orai para que o desespero não se aposse de mim.”
IV
“Muito grato vos sou pela perspectiva que me trouxestes e a cujo fim glorioso sei que devo chegar quando purificado. Sofro muito, mas parece-me que os sofrimentos diminuem. Não posso acreditar que, no mundo dos Espíritos, a dor diminua pouco a pouco à força de hábito. Não. O que eu depreendo é que as vossas preces salutares me aumentaram as forças, de modo que, pelas mesmas dores, com mais resignação, eu menos sofro. O pensamento se me volve então para a última existência e vejo as faltas que teria conjurado se soubesse orar. Hoje compreendo a eficácia da prece; compreendo o valor dessas mulheres honestas e piedosas, fracas pela carne, porém fortes pela fé; compreendo, enfim, esse mistério ignorado pelos supostos sábios da Terra. Prece! palavra que por si só provoca o riso dos Espíritos fortes. Aqui os espero no mundo espiritual, e, quando a venda que encobre a verdade se romper para eles, então, a seu nuto se prosternarão aos pés do Eterno a quem desprezaram e serão felizes em se humilhar para que seus pecados e crimes sejam revelados! Hão de compreender então a virtude da prece. Orar é amar, e amar é orar! E eles amarão o Senhor e lhe dirigirão preces de reconhecimento e de amor, regenerados pelo sofrimento. E, pois que devem sofrer, pedirão como eu peço a força necessária ao sofrimento e à expiação. Deixando de sofrer, hão de orar ainda para agradecer o perdão merecido por sua submissão e resignação. Oremos, irmão, para que mais me fortaleça... Oh! obrigado à tua caridade, meu irmão, pois que estou perdoado. Deus me liberta do olhar das minhas vítimas. Ó meu Deus! Bendito sejais vós por toda a eternidade, pela graça que me concedeis! Ó meu Deus! Sinto a enormidade dos meus crimes e curvo-me ante a vossa onipotência. Senhor! eu vos amo de todo o meu coração e vos suplico a graça de me permitirdes, ao vosso arbítrio, sofrer novas provações na Terra; voltar a ela como missionário da paz e da caridade, ensinando as crianças a pronunciar com respeito o vosso nome. Peço-vos que me seja possível ensinar que vos amem, a vós, Pai que sois de todas as criaturas. Obrigado, meu Deus! Sou um Espírito arrependido, e sincero é o meu arrependimento. Tanto quanto meu impuro coração pode comportá-lo, eu vos amo com esse sentimento que é pura emanação da vossa divindade. Irmão, oremos, pois meu coração transborda de reconhecimento. Estou livre, quebrei os grilhões, não sou mais um réprobo. Sou um Espírito sofredor, mas arrependido, a desejar que o meu exemplo pudesse conter nos umbrais do crime todas as mãos criminosas que vejo prestes a levantarem-se. Oh! para trás, recuai, irmãos, pois as torturas que preparais serão atrozes! Não acrediteis que o Senhor se deixará tão prontamente submeter à prece dos seus filhos. São séculos de torturas que vos esperam.”
O guia do médium. — Dizes que não compreendes as palavras do Espírito. Procura ter uma ideia da sua emoção e do seu reconhecimento para com o Senhor, coisas que ele acredita não poder testemunhar melhor do que tentando demover todos esses criminosos por ele vistos, mas que tu não podes ver. Aos ouvidos desses, quereria ele que chegassem as suas palavras; mas o que te não disse ele, porque o ignora ainda, é que lhe será permitido o início de missões reparadoras. Irá para junto dos que lhe foram cúmplices, procurando inspirar-lhes arrependimento, implantando em seus corações o gérmen do remorso. Frequentemente se veem na Terra pessoas tidas por honestas lançarem-se aos pés de um sacerdote para se acusarem de um crime. É o remorso quem lhes dita a confissão da culpa. Pois se o véu que te encobre o mundo invisível se desfizesse, verias muitas vezes o Espírito cúmplice ou instigador de um crime, tal como o fará Jacques Latour, inspirando o remorso ao Espírito encarnado, no afã de reparar a própria falta. Teu guia protetor
Mais tarde, o médium de Bruxelas, o mesmo que recebera o primeiro ditado, obteve o seguinte:
“Nada mais receeis de mim, que estou tranquilo, em que pese ao sofrimento que ainda tenho. Vendo o meu arrependimento, Deus teve compaixão de mim. Agora sofro por causa desse arrependimento, que me demonstra a enormidade dos meus crimes. Bem aconselhado na vida, eu não teria jamais praticado todo esse mal, mas, sem repressão, obedeci cegamente aos meus instintos. Se todos os homens pensassem mais em Deus, ou, antes, se nele acreditassem, tais faltas não seriam cometidas. Falha é, porém, a justiça dos homens; uma falta muita vez passageira leva o homem ao cárcere, que não deixa de ser um foco de perversão. Daí sai ele completamente corrompido pelos maus exemplos e conselhos. Dado porém que a sua índole seja boa e forte para se não corromper, ainda assim, de lá saído, ele vai encontrar fechadas todas as portas, retraídas todas as mãos, indiferentes todos os corações! Que lhe resta, pois? O desprezo, a miséria, o abandono e o desespero, se é que o assistem boas resoluções de se corrigir. Então a miséria o leva aos extremos, e assim é que também ele se toma de desprezo por seu semelhante, assim é que o odeia e perde a noção do bem e do mal, por isso que repelido se encontra, a despeito das suas boas intenções. Para angariar o necessário, rouba, mata às vezes, e depois... depois o executam! Meu Deus, ao ser presa novamente das minhas alucinações, sinto que a vossa mão se estende por sobre mim; sinto que a vossa bondade me envolve e protege. Obrigado, meu Deus! na próxima existência empregarei toda a minha inteligência no socorro aos desgraçados que sucumbiram, a fim de os preservar da queda. Obrigado a vós que não desdenhais de comunicar comigo; nada receeis, pois bem o vedes, eu não sou mau. Quando pensardes em mim, não vos figureis o meu retrato pelo que de mim vistes, mas o de uma alma angustiada que agradece a vossa indulgência. Adeus; evocai-me ainda e orai a Deus por mim.”
Latour
Que a graça e a paz sejam conosco!