terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

O Céu e o Inferno


"O trono se consolidará pela bondade; nele sentará constantemente na casa de Davi, um juiz amante do direito e zeloso da justiça". -( Isaías, 16: 21 )-




Amados irmãos, bom dia!
Só pelo amor e pelo respeito ao direito, poderemos construir um mundo fraterno.




                         Lemaire

Condenado à pena última pelo júri de Aisne, e executado a 31 de dezembro de 1857. Evocado em 29 de janeiro de 1858.

1. Evocação
 — R. Aqui estou.

2. Vendo-nos, que sensação experimentais? 
— R. A da vergonha.

3. Retivestes os sentidos até o último momento? 
— R. Sim.

4. Após a execução tivestes imediata noção dessa nova existência?
— R. Eu estava imerso em grande perturbação, da qual, aliás, ainda me não libertei. Senti uma dor imensa, afigurando-se-me ser o coração quem a sofria. Vi rolar não sei quê aos pés do cadafalso; vi o sangue que corria e mais pungente se me tornou a minha dor.

— P. Era uma dor puramente física, análoga à que proviria de um grande ferimento, pela amputação de um membro, por exemplo? 
— R. Não; figurai-vos antes um remorso, uma grande dor moral.

5. Mas a dor física do suplício, quem a experimentava: o corpo ou o Espírito? 
— R. A dor moral estava em meu Espírito, sentindo o corpo a dor física; mas o Espírito desligado também dela se ressentia.

6. Vistes o corpo mutilado? 
— R. Vi qualquer coisa informe, à qual me parecia integrado; entretanto, reconhecia-me intacto, isto é, que eu era eu mesmo... 

— P. Que impressões vos advieram desse fato?  
— R. Eu sentia muito a minha dor, estava completamente ligado a ela.

7. Será verdade que o corpo viva ainda alguns instantes depois da decapitação, tendo o supliciado a consciência das suas ideias? 
— R. O Espírito retira-se pouco a pouco; quanto mais o retêm os laços materiais, menos pronta é a separação.

8. Dizem que se há notado a expressão da cólera e movimentos na fisionomia de certos supliciados, como se estes quisessem falar; será isso efeito de contrações nervosas, ou um ato da vontade? 
— R. Da vontade, visto como o Espírito não se tem desligado.

9. Qual o primeiro sentimento que experimentastes ao penetrar na vossa nova existência? 
— R. Um sofrimento intolerável, uma espécie de remorso pungente cuja causa ignorava.

10. Acaso vos achastes reunido aos vossos cúmplices concomitantemente supliciados? 
— R. Infelizmente, sim, por desgraça nossa, pois essa visão recíproca é um suplício contínuo, exprobrando-se uns aos outros os seus crimes.

11. Tendes encontrado as vossas vítimas? 
— R. Vejo-as... são felizes; seus olhares perseguem-me... sinto que me varam o ser e debalde tento fugir-lhes.

— P. Que impressão vos causam esses olhares?
— R. Vergonha e remorso. Ocasionei-os voluntariamente e ainda os abomino.

— P. E qual a impressão que lhes causais vós? 
— R. Piedade.

12. Terão por sua vez o ódio e o desejo de vingança? 
— R. Não; os olhares que volvem lembram-me a minha expiação. Vós não podeis avaliar o suplício horrível de tudo devermos àqueles a quem odiamos.

13. Lamentais a perda da vida corporal? 
— R. Apenas lamento os meus crimes. Se o fato ainda dependesse de mim, não mais sucumbiria.

14. O pendor para o mal estava na vossa natureza, ou fostes ainda influenciado pelo meio em que vivestes? 
— R. Sendo eu um Espírito inferior, a tendência para o mal estava na minha própria natureza. Quis elevar-me rapidamente, mas pedi mais do que comportavam as minhas forças. Acreditando-me forte, escolhi uma rude prova e acabei por ceder às tentações do mal.

15. Se tivésseis recebido sãos princípios de educação, ter-vos-íeis desviado da senda criminosa? 
— R. Sim, mas eu havia escolhido a condição do nascimento.— 

P. Acaso não vos poderíeis ter feito homem de bem?  
— R. Um homem fraco é incapaz, tanto para o bem como para o mal. Poderia, talvez, corrigir na vida o mal inerente à minha natureza, mas nunca me elevar à prática do bem.

16. Quando encarnado acreditáveis em Deus? 
— R. Não.

— P. Mas dizem que à última hora vos arrependeste... 
— R. Porque acreditei num Deus vingativo, era natural que o temesse...

— P. E agora o vosso arrependimento é mais sincero? 
— R. Pudera! Eu vejo o que fiz... 

— P. Que pensais de Deus então? 
— R. Sinto-o e não o compreendo.

17. Parece-vos justo o castigo que vos infligiram na Terra? 
— R. Sim. 

18. Esperais obter o perdão dos vossos crimes?
— R. Não sei.

— P. Como pretendeis repará-los? 
— R. Por novas provações, conquanto me pareça que uma eternidade existe entre elas e mim. 

19. Onde vos achais agora? 
— R. Estou no meu sofrimento.

— P. Perguntamos qual o lugar em que vos encontrais... 
–– R. Perto da médium. 

20. Uma vez que assim é, sob que forma vos veríamos, se tal nos fosse possível? 
— R. Ver-me-íeis sob a minha forma corpórea: a cabeça separada do tronco.

— P. Podereis aparecer-nos?  
— R. Não; deixai-me.

21. Poderíeis dizer-nos como vos evadistes da prisão de Montdidier? 
— R. Nada mais sei... é tão grande o meu sofrimento, que apenas guardo a lembrança do crime... Deixai-me.

22. Poderíamos concorrer para vos aliviar desse sofrimento? — R. Fazei votos para que sobrevenha a expiação.




Que a graça e a paz sejam conosco!

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