"O trono se consolidará pela bondade; nele sentará constantemente na casa de Davi, um juiz amante do direito e zeloso da justiça". -( Isaías, 16: 21 )-
Amados irmãos, bom dia!
Só pelo amor e pelo respeito ao direito, poderemos construir um mundo fraterno.
Lemaire
Condenado à pena última pelo júri de Aisne, e executado a 31 de dezembro de 1857. Evocado em 29 de janeiro de 1858.
1. Evocação.
— R. Aqui estou.
2. Vendo-nos, que sensação experimentais?
— R. A da vergonha.
3. Retivestes os sentidos até o último momento?
— R. Sim.
4. Após a execução tivestes imediata noção dessa nova existência?
— R. Eu estava imerso em grande perturbação, da qual, aliás, ainda me não libertei. Senti uma dor imensa, afigurando-se-me ser o coração quem a sofria. Vi rolar não sei quê aos pés do cadafalso; vi o sangue que corria e mais pungente se me tornou a minha dor.
— P. Era uma dor puramente física, análoga à que proviria de um grande ferimento, pela amputação de um membro, por exemplo?
— R. Não; figurai-vos antes um remorso, uma grande dor moral.
5. Mas a dor física do suplício, quem a experimentava: o corpo ou o Espírito?
— R. A dor moral estava em meu Espírito, sentindo o corpo a dor física; mas o Espírito desligado também dela se ressentia.
6. Vistes o corpo mutilado?
— R. Vi qualquer coisa informe, à qual me parecia integrado; entretanto, reconhecia-me intacto, isto é, que eu era eu mesmo...
— P. Que impressões vos advieram desse fato?
— R. Eu sentia muito a minha dor, estava completamente ligado a ela.
7. Será verdade que o corpo viva ainda alguns instantes depois da decapitação, tendo o supliciado a consciência das suas ideias?
— R. O Espírito retira-se pouco a pouco; quanto mais o retêm os laços materiais, menos pronta é a separação.
8. Dizem que se há notado a expressão da cólera e movimentos na fisionomia de certos supliciados, como se estes quisessem falar; será isso efeito de contrações nervosas, ou um ato da vontade?
— R. Da vontade, visto como o Espírito não se tem desligado.
9. Qual o primeiro sentimento que experimentastes ao penetrar na vossa nova existência?
— R. Um sofrimento intolerável, uma espécie de remorso pungente cuja causa ignorava.
10. Acaso vos achastes reunido aos vossos cúmplices concomitantemente supliciados?
— R. Infelizmente, sim, por desgraça nossa, pois essa visão recíproca é um suplício contínuo, exprobrando-se uns aos outros os seus crimes.
11. Tendes encontrado as vossas vítimas?
— R. Vejo-as... são felizes; seus olhares perseguem-me... sinto que me varam o ser e debalde tento fugir-lhes.
— P. Que impressão vos causam esses olhares?
— R. Vergonha e remorso. Ocasionei-os voluntariamente e ainda os abomino.
— P. E qual a impressão que lhes causais vós?
— R. Piedade.
12. Terão por sua vez o ódio e o desejo de vingança?
— R. Não; os olhares que volvem lembram-me a minha expiação. Vós não podeis avaliar o suplício horrível de tudo devermos àqueles a quem odiamos.
13. Lamentais a perda da vida corporal?
— R. Apenas lamento os meus crimes. Se o fato ainda dependesse de mim, não mais sucumbiria.
14. O pendor para o mal estava na vossa natureza, ou fostes ainda influenciado pelo meio em que vivestes?
— R. Sendo eu um Espírito inferior, a tendência para o mal estava na minha própria natureza. Quis elevar-me rapidamente, mas pedi mais do que comportavam as minhas forças. Acreditando-me forte, escolhi uma rude prova e acabei por ceder às tentações do mal.
15. Se tivésseis recebido sãos princípios de educação, ter-vos-íeis desviado da senda criminosa?
— R. Sim, mas eu havia escolhido a condição do nascimento.—
P. Acaso não vos poderíeis ter feito homem de bem?
— R. Um homem fraco é incapaz, tanto para o bem como para o mal. Poderia, talvez, corrigir na vida o mal inerente à minha natureza, mas nunca me elevar à prática do bem.
16. Quando encarnado acreditáveis em Deus?
— R. Não.
— P. Mas dizem que à última hora vos arrependeste...
— R. Porque acreditei num Deus vingativo, era natural que o temesse...
— P. E agora o vosso arrependimento é mais sincero?
— R. Pudera! Eu vejo o que fiz...
— P. Que pensais de Deus então?
— R. Sinto-o e não o compreendo.
17. Parece-vos justo o castigo que vos infligiram na Terra?
— R. Sim.
18. Esperais obter o perdão dos vossos crimes?
— R. Não sei.
— P. Como pretendeis repará-los?
— R. Por novas provações, conquanto me pareça que uma eternidade existe entre elas e mim.
19. Onde vos achais agora?
— R. Estou no meu sofrimento.
— P. Perguntamos qual o lugar em que vos encontrais...
–– R. Perto da médium.
20. Uma vez que assim é, sob que forma vos veríamos, se tal nos fosse possível?
— R. Ver-me-íeis sob a minha forma corpórea: a cabeça separada do tronco.
— P. Podereis aparecer-nos?
— R. Não; deixai-me.
21. Poderíeis dizer-nos como vos evadistes da prisão de Montdidier?
— R. Nada mais sei... é tão grande o meu sofrimento, que apenas guardo a lembrança do crime... Deixai-me.
22. Poderíamos concorrer para vos aliviar desse sofrimento? — R. Fazei votos para que sobrevenha a expiação.
Que a graça e a paz sejam conosco!
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