terça-feira, 17 de março de 2020

O Céu e o Inferno


"Tenho dito essas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa". -( João, 15: 11 )-




Amados irmãos, bom dia!
A verdadeira alegria é a que vem do Senhor. Quando estamos com ele, sua presença é vida em nós.




                         Letil

Este industrial, que residiu nos arredores de Paris, morreu em abril de 1864, de modo horroroso. Incendiando-se uma caldeira de verniz fervente, foi num abrir e fechar de olhos que o seu corpo se cobriu de matéria candente, pelo que logo compreendeu ele que estava perdido. Achando-se na oficina apenas com um rapaz aprendiz, ainda teve ânimo de dirigir-se ao seu domicílio, à distância de mais de 200 metros. Quando se lhe pôde prestar os primeiros socorros, já as carnes dilaceradas caíam aos pedaços, desnudos os ossos de uma parte do corpo e da face. Ainda assim, sobreviveu doze horas a cruciantes sofrimentos, mas conservando toda a presença de espírito até o último momento, predispondo os seus negócios com perfeita lucidez. Em toda esta cruel agonia não se lhe ouviu um só gemido, um só queixume, morreu orando a Deus. Era um homem honradíssimo, de caráter meigo e afetuoso, amado, prezado de quantos o conheciam. Também acatara com entusiasmo, porém pouco refletidamente, as ideias espíritas, e assim foi que, médium, não lhe faltaram inúmeras mistificações, as quais, seja dito, em nada lhe abalaram a crença.
A confiança no que os Espíritos lhe diziam, em certas circunstâncias, ia até a ingenuidade. Evocado na Sociedade de Paris, a 29 de abril de 1864, poucos dias após a morte e ainda sob a impressão da cena terrível que o vitimou, deu a seguinte comunicação: 

“Profunda tristeza me acabrunha! Aterrado ainda pela minha trágica morte, julgo-me sob os ferros de um algoz. Quanto sofri!... oh! quanto sofri! Estou trêmulo, como que sentindo o cheiro nauseante de carnes queimadas. Agonia de 12 horas essa que padeceste, ó Espírito culpado! Mas ele a sofreu sem murmurações e por isso vai receber de Deus o seu perdão. Ó minha bem-amada, não chores, que em breve estas dores se acalmarão. Eu não mais sofro na realidade, porém a lembrança neste caso vale pela realidade. Auxilia-me muito a noção do Espiritismo, e agora vejo que, sem essa consoladora crença, teria permanecido no delírio da morte horrível que padeci. Há, porém, um Espírito consolador que me não deixa, desde que exalei o último suspiro. Eu ainda falava e já o tinha a meu lado... Parecia-me ser um reflexo das minhas dores a produzir em mim vertigens, que me fizessem ver fantasmas... Mas não; era o meu anjo de guarda que, silencioso e mudo, me consolava 
pelo coração. Logo que me despedi da Terra, disse-me ele: 

‘Vem, meu filho, torna a ver o dia.’ 

Então respirei mais livremente, julgando-me livre de medonho pesadelo; perguntei pela esposa amada, pelo filho corajoso que por mim se sacrificara, e ele me disse: ‘Estão todos na Terra, e tu, filho, estás entre nós.’ Eu procurava o lar, onde, sempre em companhia do anjo, vi todos banhados de pranto. A tristeza e o luto haviam invadido aquela habitação outrora pacífica. Não pude por mais tempo tolerar o espetáculo, e, comovidíssimo, disse ao meu guia: ‘Ó meu bom anjo, saiamos daqui.’ ‘Sim, saiamos’, respondeu-me, ‘e procuremos repouso.’ Daí para cá tenho sofrido menos, e, se não houvera visto inconsoláveis a esposa e os filhos e tristes os amigos, seria quase feliz. O meu bom guia fez-me ver a causa da morte horrível que tive, e eu, a fim de vos instruir, vou confessá-la: Há cerca de dois séculos, mandei queimar uma rapariga, inocente como se pode ser na sua idade — 12 a 14 anos. Qual a acusação que lhe pesava? A cumplicidade em uma conspiração contra a política clerical. Eu era então italiano e juiz inquisidor; como os algozes não ousassem tocar o corpo da pobre criança, fui eu mesmo o juiz e o carrasco. Oh! quanto és grande, Justiça divina! A ti submetido, prometi a mim mesmo não vacilar no dia do combate, e ainda bem que tive força para manter o compromisso. Não murmurei, e vós me perdoastes, ó Deus! Quando, porém, se me apagará da memória a lembrança da pobre vítima inocente? Essa lembrança é que me faz sofrer! É mister, portanto, que ela me perdoe. Ó vós, adeptos da nova doutrina, que frequentemente dizeis não poder evitar os males pela insciência do passado! Ó irmãos meus! bendizei antes o Pai, porque se tal lembrança vos acompanhasse à Terra, não mais haveria aí repouso em vossos corações. Como poderíeis vós, constantemente assediados pela vergonha, pelo remorso, fruir um só momento de paz? O esquecimento aí é um benefício, porque a lembrança aqui é uma tortura. Mais alguns dias, e, como recompensa à resignação com que suportei as minhas dores, Deus me concederá o esquecimento da falta. Eis a promessa que acaba de fazer-me o meu bom anjo.”  

O caráter do Sr. Letil, na última encarnação, prova quanto o seu Espírito se aperfeiçoou. A conduta que teve seria o resultado do arrependimento como das boas resoluções previamente tomadas, mas isso por si só não bastava: era preciso coroar essas resoluções com uma grande expiação; era mister que suportasse como homem o suplício a outrem infligido e mais ainda: a resignação que, felizmente, não o abandonou nessa terrível contingência. Certo, o conhecimento do Espiritismo contribuiu grandemente para sustentar-lhe a fé, a coragem oriunda da esperança de um futuro. Ciente de que as dores físicas são provas e expiações, submeteu-se a elas resignado, dizendo: “Deus é justo; logo, é que eu as mereci.”




Que a graça e a paz sejam conosco!

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