"Dai ao Senhor, ó filhos dos poderosos, dai ao Senhor glória e força." -( Salmos, 29: 1 )-
Amados irmãos, bom dia!
"No Senhor está toda a graça e salvação, n'Ele encontramos o amor e o perdão."
Padre. — A religião ensina tudo isso; até agora foi suficiente; qual é hoje a necessidade de uma nova doutrina?
A. K. — Se a religião ensina o bastante, por que há tantos incrédulos, religiosamente falando? Ela prega, é verdade; ela nos manda crer, mas há muita gente que não crê por simples afirmação. O Espiritismo prova e faz ver o que a religião ensina em teoria. Além disso, donde vêm essas provas? Da manifestação dos Espíritos. Ora, é provável que os Espíritos só se manifestem com o consentimento de Deus; se, pois, Deus em sua misericórdia envia aos homens esse socorro para afastá-los da incredulidade, é uma impiedade repeli-lo.
Padre. — Não podeis, entretanto, contestar que o Espiritismo não está, em todos os pontos, de acordo com a religião.
A. K. — Ora, senhor abade, todas as religiões dirão a mesma coisa: os protestantes, os judeus, os muçulmanos, tanto quanto os católicos. Se o Espiritismo negasse a existência de Deus, da alma, da sua individualidade e imortalidade, das penas e recompensas futuras, do livre-arbítrio do homem; se ele ensinasse que cada um só deve viver para si, não pensar senão em si, não só seria contrário à religião católica, como a todas as religiões do mundo; ele seria ainda a negação de todas as leis morais, base das sociedades humanas. Longe disso: os Espíritos proclamam um Deus único, soberanamente justo e bom; eles dizem que o homem é livre e responsável por seus atos, recompensado ou punido pelo bem ou pelo mal que houver feito; colocam acima de todas as virtudes a caridade evangélica e a seguinte regra sublime ensinada pelo Cristo: fazer aos outros como queremos que nos seja feito.
Não são estes os fundamentos da religião?
Essa certeza do futuro, de se ir encontrar aqueles a quem se amou, não será uma consolação? Essa grandiosidade da vida espiritual, que é a nossa essência, comparada às mesquinhas preocupações da vida terrena, não será própria a elevar a nossa alma e a fortalecer-nos na prática do bem?
Padre. — Concordo que, nas questões gerais, o Espiritismo é conforme às grandes verdades do Cristianismo; dar-se-á, porém, o mesmo em relação aos dogmas?
Não contradiz ele alguns princípios que a Igreja nos ensina?
A. K. — O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência, não cogita de questões dogmáticas. Esta ciência tem consequências morais como todas as ciências filosóficas; essas consequências são boas ou más? Pode-se julgá-las pelos princípios gerais que acabo de expor. Algumas pessoas se iludem sobre o verdadeiro caráter do Espiritismo. A questão é de grande importância e merece alguns desenvolvimentos. Façamos primeiro um termo de comparação: a eletricidade, estando na natureza, existiu em todo tempo e produziu sempre os efeitos que hoje observamos e muitos outros que ainda não conhecemos. Na ignorância da sua verdadeira causa, os homens explicavam esses efeitos de um modo mais ou menos extravagante. A descoberta da eletricidade e de suas propriedades veio lançar por terra um punhado de teorias absurdas, espargindo a luz por sobre mais de um mistério da natureza. O que fizeram a eletricidade e as ciências físicas para certos fenômenos, o Espiritismo o fez para outros de ordem diferente.
O Espiritismo funda-se na existência de um mundo invisível, formado pelos seres incorpóreos que povoam o espaço e que não são mais que as almas daqueles que viveram na Terra, ou em outros globos, nos quais deixaram seus invólucros materiais. São os seres a que chamamos Espíritos, seres que nos cercam e incessantemente exercem sobre os homens, sem que estes o percebam, uma grande influência, e desempenham papel muito ativo no mundo moral, e mesmo, até certo ponto, no físico. O Espiritismo está, pois, em a natureza e podemos dizer que, numa certa ordem de ideias, é ele uma potência, como a eletricidade o é sob outro ponto de vista, e como ainda a gravitação é uma outra. Os fenômenos, de que o mundo invisível é a fonte, produziram-se em todos os tempos; eis aí por que a história de todos os povos faz deles menção. Somente, em sua ignorância, como se deu com a eletricidade, os homens os atribuíam a causas mais ou menos racionais, e deram, nesse ponto de vista, livre curso à sua imaginação.
Melhor observado depois que se vulgarizou, o Espiritismo vem derramar luz sobre grande número de questões, até hoje insolúveis ou mal compreendidas. Seu verdadeiro caráter é, pois, o de uma ciência, e não de uma religião; e a prova disso é que ele conta entre os seus aderentes homens de todas as crenças, que por esse fato não renunciaram às suas convicções: católicos fervorosos que não deixam de praticar todos os deveres do seu culto, quando a Igreja os não repele; protestantes de todas as seitas, israelitas, muçulmanos e mesmo budistas e bramanistas.
Ele repousa, por conseguinte, em princípios independentes das questões dogmáticas. Suas consequências morais são todas no sentido do Cristianismo, porque de todas as doutrinas é esta a mais esclarecida e pura; razão pela qual, de todas as seitas religiosas do mundo, os cristãos são os mais aptos para compreendê-lo em sua verdadeira essência. Podemos exprobrá-lo por isso? Cada um pode formar de suas opiniões uma religião e interpretar à vontade as religiões conhecidas, mas daí a constituir nova Igreja, a distância é grande.
Estudo do Livro dos Espíritos
605. Considerando-se todos os pontos de contacto que existem entre o homem e os animais, não seria lícito pensar que o homem possui duas almas: a alma animal e a alma espírita e que, se esta última não existisse, só como o bruto poderia ele viver? Por outra: que o animal é um ser semelhante ao homem, tendo de menos a alma espírita? Dessa maneira de ver resultaria serem os bons e os maus instintos do homem efeito da predominância de uma ou outra dessas almas?
“Não, o homem não tem duas almas. O corpo, porém, tem seus instintos, resultantes da sensação peculiar aos órgãos. Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos.”
a) — De modo que, além de suas próprias imperfeições de que cumpre ao Espírito despojar-se, tem ainda o homem que lutar contra a influência da matéria?
“Quanto mais inferior é o Espírito, tanto mais apertados são os laços que o ligam à matéria. Não o vedes? O homem não tem duas almas; a alma é sempre única em cada ser. São distintas uma da outra a alma do animal e a do homem, a tal ponto que a de um não pode animar o corpo criado para o outro. Mas, conquanto não tenha alma animal, que, por suas paixões, o nivele aos animais, o homem tem o corpo que, às vezes, o rebaixa até ao nível deles, por isso que o corpo é um ser dotado de vitalidade e de instintos, porém ininteligentes estes e restritos ao cuidado que a sua conservação requer.”
Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação.
Que a graça e a paz sejam conosco!
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